quarta-feira, março 24, 2010

EU ESQUECI


É... Eu não te falei.

Eu não te falei, mas adorava aqueles nossos papos que se estendiam pela madrugada afora. Eu adorava te explicar as coisas, adorava sua fragilidade e sua inocência de menina pura perante essa vida tão maliciosa e real. Eu não te falei, mas no fundo você sabia, tinha sempre um jeitinho, o dom de anestesiar meu ser adulto, calejado e preocupado.

É... Eu não te falei.

Eu não te falei, mas me sentia absurdamente seduzido quando você olhava dentro dos meus olhos com seus olhos coloridos. Eu também não te falei, mas adorava na saudade desmedida, sentir o cheiro que seu perfume deixava no meu quarto, na minha cama e no meu travesseiro.

É... Eu não te falei.

Eu nunca te falei, mas amava quando você saía do banho de cabelos molhados, com a cara limpa e aquele cheirinho inconfundível e delicioso de mulher que acabou de sair do banho. Eu não te falei, mas na verdade você sabia que meu conceito de beleza tinha tudo a ver com a simplicidade e com o natural. Eu não te contei, mas você sempre soube que nesse ponto era muito fácil me agradar... Que não precisava se maquiar e muito menos, de permanecer horas e horas morrendo de calor embaixo daquele secador, que convenhamos - faz o barulho birrento que eu tanto odeio – e morrerei odiando.

É... Eu não te falei.

Eu me furtei de dizer, mas achava o máximo nossa postura resumida, diferente, incomum, divinamente auto-suficiente. Eu não te falei, mas você deixou no chinelo todas as outras bocas, todos os outros cheiros, todos os outros sexos, todas as outras mulheres que eu tive antes de você, inclusive aquela que te matava de ciúmes e tanto te incomodava.

É... Eu realmente não te falei.

Eu não te falei e o nosso amor morreu, secou, sumiu. Demorou a eternidade, custou noites de sono, mas o tempo enfim te matou dentro do meu peito. Que alívio bom! Que leveza! Que sensação maravilhosa de paz! Não se incomode se a gente não se encontra mais... Avulsos, os nossos prazeres, conceitos, desejos e sonhos não se misturam, são extremamente distintos um do outro. A realidade cotidiana nos abriga em mundos, lugares e cenários totalmente diferentes. E esse tanto abissal que hoje nos separa, me permite dizer com muita certeza: Que bom que eu não te falei! Na essência, na verdade, tudo isso era nítido, estampado, explícito - e você nunca viu, e você nunca mereceu ouvir da minha boca.

Na paz e no amor, fiquem bem!
Beijos,
Deco.

p.s: Esse blog não é nem nunca foi um diário da minha vida. Além dos questionamentos, conflitos e reflexões, ele também abriga textos fictícios.

quinta-feira, março 04, 2010

SOBRE A MINHA ACIDEZ


Muitas pessoas acreditam que ao criar personagens e facetas dentro de sua própria personalidade podem cobrir suas fraquezas, negar seus atos, medos e ideais, e serem felizes. Muitas pessoas se desdobram de maneiras inimagináveis para se envolver, viver e manter relações falidas, por acreditarem que é melhor ter alguém nada a ver como companhia, o que chamo de muleta, do que estarem sozinhas em suas próprias companhias. Muitas pessoas colocam a culpa na sorte, no destino, na cor do cabelo e em outros tantos não menos ridículos, quando questionam a ausência de um amor verdadeiro em suas vidas.

Essas mesmas pessoas se esquecem da vida que levam, dos valores que carregam, das atitudes e propostas baratas que trazem nitidamente estampadas em suas caras entupidas de maquiagem. Essas mesmas pessoas se esquecem de serem humanas em seus cotidianos de faz de conta. Essas mesmas pessoas se completam e se divertem com as coisas mais fúteis e vazias que sua cabeça for capaz de pensar. Essas mesmas pessoas rotulam meus textos como ácidos - e desde já assumo que de fato são, uma vez que ao contrário delas, eu odeio demais o superficial.

É... É muito fácil reclamar do amor enquanto pinta as unhas com cores fluorescentes, que nesse minuto, apesar de horrorosas, são a onda da moda. É muito simples falar que o amor morreu e ir curar a dor numa loja pega Patrícia, comprando um vestido, um sapato, um lingerie que vai te deixar ou que ao menos promete deixá-la ultra-mega-maxi-gostosa. É igualmente fácil tomar um banho de uma hora e depois passar outras duas arrumando o cabelo para que ele fique milimetricamente igual ao da revista. É fácil ainda, juntar dinheiro por um mês ou pior, implorar por um convite “grátis” da balada mais concorrida da cidade e ao fim da noite, ao invés de se contentar com o posto de troféu de um filhinho de papai qualquer, reclamar que amar está difícil. Enfim, pessoal! Ser social é fácil... Ser falso é fácil... Ser da moda é fácil... Ser bonitinha é fácil... O difícil é ser. Ser é simples, mas ser é para poucos.

Ser é aceitar que a vida não é perfeita e nem completa - e nem constantemente feliz como a gente acha que deveria ser. Ser é ter vaidade sim, é se cuidar e se produzir sem se esquecer que melhor de nós não está ali, na super produção, num pedaço de pano. Ser é conseguir ter charme usando a inteligência ao invés de micro saias, é ter consciência de que a mais bela casca também será levada pelo tempo e pela natureza. Ser é ter beleza no conteúdo e carregar com um sorriso a certeza de que isso faz toda diferença. Ser é ter humildade para assumir os nossos erros e tentar, na medida do possível, evoluir e minimizar nossos defeitos. Ser é se assumir pro mundo de forma simples, do jeito exato que você é, com imperfeições, fraquezas e qualidades. Ser é deixar o coração bater e se permitir, e se entregar livre de culpa ou medo quando o sentimento é bom dentro do peito.

Há alguns anos, quando saltei de para quedas, eu descobri que a almofadada nuvem branca que se pinta céu não é feita de algodão, apesar de parecer ser. Há alguns anos eu descobri que pessoas que pareciam muito verdadeiras, conseguiam mentir descaradamente olhando dentro dos meus olhos. E todos esses anos me trouxeram de presente uma deliciosa aversão a ilusões... A tal acidez, a tal falta de freios para falar de realidades cotidianas. Uma visão mais realista e despida de fantasias sobre o mundo e principalmente, sobre as pessoas que vivem nele. Uma determinada preguiça que se estende de beijos que duram apenas uma noite a novelas globais onde todos, simplesmente todos os casais são traidores e infelizes em suas relações.

O mundo acabou? Não! Deus está lá em cima e o mundo não acabou... Muito além da matéria, que infelizmente assume cada vez mais o papel ícone feliz da vida moderna, ainda existem pessoas incríveis, que fazem valer cada segundo que se passa perto delas. Ainda existe, ainda persiste a essência dentro do coração de alguns, Amém! Ainda existe gente viciada em amor, disposta a amar e olhares que sabem dizer de maneira clara a verdade ao próximo. E é aí, que eu, esse cara tão ácido e realista... Tão de cansado de meias verdades e meias pessoas, me sinto muito abençoado. Minha vida anda cercada cada vez mais de gente assim, sincera, inteira, verdadeira. Gente de uma cara só.

Por fim, acho que já falei isso por aqui, não me lembro, mas se falei penso que vale repetir: A nossa felicidade com a gente mesmo é a única e maior pré-condição para sermos felizes em nossas relações com as outras pessoas. Muito antes de amar alguém e de querer o amor transbordando em nossas veias, precisamos nos amar, nos entender, nos aceitar e fundamentalmente, ser o que somos. A vida, não adianta, é como ela é... Imperfeita. Bonita. Incompleta. E sempre vai ser.

Fiquem bem e se cuidem.
Beijos, Deco.